Regularização Fundiária Urbana: Atuação do Advogado Privado

Palavras-Chaves:

Regularização fundiária urbana – evolução histórica de fato e de direito – As novas legislações facilitadoras da titularização dos imóveis clandestinos e irregulares – título de propriedade e dignidade humana – REURB-S e REURB-E – a importância da equipe multidisciplinar – O poder público (fiscalizador e provedor) – a atuação do advogado privado.

I – INTRODUÇÃO:

O tema do curso é relevante e se apresenta como uma das políticas públicas mais importantes para atuação do Poder Executivo Municipal na atualidade, depois das diversas tentativas de aprimoramento da legislação para facilitar e proporcionar a Regularização Fundiária Urbana no Brasil, estamos diante da tão esperada norma, a Lei 13.465/2017.

A regularização fundiária urbana é programa social e visa erradicar a ilegalidade fundiária nas cidades.

Essa ilegalidade da habitação impede o desenvolvimento regular dos municípios, gerando alto índice de inadimplência de IPTU, a maior receita ordinária das Prefeituras.

A ilegalidade nas moradias urbanas ocorre na maioria das cidades brasileiras. Morar irregularmente significa condição de insegurança permanente. Esta condição está, em sua maior parte, associada a ocupações de população de baixa renda, que, historicamente, não teve acesso à produção formal de habitação e, ainda hoje, é impedida de concretizar seu direito à cidadania e exercer plenamente todos os direitos de propriedade de seu imóvel.

Por esse motivo, além de um direito social, a moradia regular é condição para a realização integral de direitos constitucionais, principalmente o direito de PROPRIEDADE e HABITAÇÃO.

Com a finalidade de delimitar o tema, sabendo da abrangência do tema principal do curso, na atividade final será apresentado um trabalho com foco nas possibilidades de atuação do advogado privado nesse ramo importantíssimo do direito.

Ao nosso sentir, o surgimento de uma nova classe social de consumo impulsionou a necessidade da regularização das moradias, para proporcionar aos novos consumidores o direito a terem um endereço válido. Milhões de pessoas que se apresentaram no mercado para aquisição de bens e serviços, ao se depararem com a necessidade de comprovar residência, identificaram a sua irregularidade e clandestinidade na moradia urbana.

Essa pressão econômica, no nosso entendimento, obrigou o legislador a criar normas mais acessíveis para felicitar a regularização das residenciais, bem como, identificar e mapear sua cidade que está aumentando desordenadamente e sem controle. Soma-se a isso, o maior programa habitacional do mundo, MINHA CASA MINHA VIDA, do Governo Federal, que atraiu investidores na construção civil e abriu os olhos dos Prefeitos Municipais que queriam identificar áreas públicas para implantar o programa habitacional nos seus municípios com recursos federais.

Louvados foram os municípios que conseguiram ou tentaram implantar projetos de Regularização Fundiária Urbana antes da Lei 13.465/2017, vez que as esparsas e limitadas legislações complicavam e quase impediam a aplicação detalhada de todas as regras e procedimentos necessários, levando em consideração as dificuldades para dialogar com os Oficiais de Cartório.

Importante destacar que dos 5.570 (cinco mil, quinhentos e setenta) municípios brasileiros, mais de 5 mil, excluindo as capitais e cidades de grande porte, não terão condições de implantar os projetos de regularização fundiária urbana prevista na nova legislação, por diversos fatores, entre eles: sobrecarga de trabalho dos procuradores municipais (na grande maioria contratados e não concursados); falta de equipe técnica na área de engenharia e urbanismo, etc.

Por esse aspecto, a análise sobre a possibilidade das consultorias jurídicas e empresas privadas aptas a dar suporte para essa imensa massa de municípios que continuarão à margem dos grandes municípios em relação ao tema.

II – EVOLUÇÃO HISTÓRIA DO USO E PARCELAMENTO:

Na metade do século XX, o Brasil passou por um período de êxodo rural intenso, quando a população predominantemente rural deixou o campo para tentar melhores condições de vida nos núcleos urbanos (cidades). Com o avanço da indústria, o aumento dos empregos e a mecanização do campo, as cidades passaram a crescer, expansões urbanas sem planejamento, com escassez de serviços essenciais e condições de moradias inadequadas.

As ocupações irregulares e clandestinas começaram a surgir devido à falta de interesse político de fiscalizar, ordenar e acompanhar o desenvolvimento urbano nas cidades, muitas vezes com apoio e incentivo dos políticos interessados na formação dos seus “currais” eleitorais, novos loteamentos surgem sem controle e regularidade.

A primeira legislação específica sobre o assunto surge em 1937, com o Decreto-Lei 58/1937, regulamentado pelo Decreto 3.079, sendo um grande avanço na legislação específica do nosso país e seu principal escopo era proteger os compradores de lotes.

Já nos anos 70, com o crescimento dos núcleos urbanos de forma desordenada, iniciou-se um grande debate sobre o assunto no Congresso Nacional e surge a Lei específica sobre o assunto (uso e parcelamento do solo urbano) Lei 6766/79.

Destaca-se que essas normas foram criadas para evitar a situação de clandestinidade no parcelamento do solo urbano, porém, devido a falta de disciplina dos Estados e fiscalização dos Municípios, sabemos que aqui estamos hoje porque existem diversos loteamentos clandestinos e irregulares que impedem o desenvolvimento ordenado dos municípios.

As primeiras legislações que se apresentam de forma direta para tentar solucionar o problema surgem no século XXI sem muita força, até a chegada da Lei 13.465/2017.

III – AS NOVAS LEGISLAÇÕES FACILITADORAS DA TITULARIZAÇÃO

DOS IMÓVEIS IRREGULARES E CLANDESTINOS:

Antes de adentrar ao tema específico da nova lei, importante consignar que a criação da USUCAPIÃO EXTRAJUDICIAL E ADMINISTRATIVA, ao nosso sentir foi o primeiro passo para facilitar a regularização dos imóveis sem a devida titularização, tema este que deve ser tratado como uma das possibilidades de regularização fundiária urbana no âmbito privado.

Porém, nesse trabalho o foco são as inovações legislativas

da Lei 13.465/2017, nessa seara vamos aos pontos relevantes:

A) DOS CONCEITOS DEFINIDOS NA LEI:

O primeiro e mais importante foi o conceito sobre regularização fundiária urbana constante no art. 90, vou me utilizar da perfeita conceituação da Professora Dra. Betânia Alfonsim:

“A regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Esse conceito facilita a interpretação e cria um horizonte importante para o início de qualquer trabalho nessa área jurídica, inserindo no contexto, como não poderia deixar de ser, uma equipe multidisciplinar, portanto, se faz necessário um urbanista e vários especialistas em meio ambiente para DEFINIR DE FORMA CLARA E DETERMINADA O PROJETO DE REGULARIZAÇÃO.

Portanto, estamos diante de uma atuação que vai além da atuação jurídica específica, obrigando a formação de vários profissionais para delimitação e verificação das condições das áreas a serem regularizadas.

Importante destacar que que no art. 11 da Lei são apresentados os conceitos das principais expressões que fazem parte do entendimento necessário à realização da identificação e do projeto da REURB.

B) DOS LEGITIMADOS PARA PROPOR O PROJETO:

O rol de legitimados a propor o projeto de REURB junto ao município está bem amplo e abrangente, inseriu a possibilidade da participação das ONGs e dos loteadores ou associações de moradores interessados, etc.

C) DOS INSTRUMENTOS DA REURB:

Os instrumentos estabelecidos na Lei para formação dos processos administrativos para realização das regularizações são amplos e auxiliam na compreensão dos atos necessários à elaboração do projeto.

O destaque são os institutos jurídicos, bem como a possibilidade de utilização num mesmo processo de todos os institutos, para atender a demanda e a necessidade de cada moradia a ser regularizada.

Fica bem especificado que o poder público municipal será sempre o agente certificador da titularidade dos interessados na regularização. Como foi dito numa vídeo aula pela professora Simone Somensi: “As prefeituras vão virar verdadeiros cartórios de imóveis”. Destacou, ainda, a necessidade com o controle dos projetos e dos títulos que serão emitidos na conclusão dos processos administrativos.

D) DA LEGITIMAÇÃO FUNDIÁRIA e DA LEGITIMAÇÃO DA POSSE:

A Legitimação fundiária é a ferramenta que o poder público tem para regularizar os núcleos urbanos que estão instalados em áreas públicas, seja da União, dos Estados e do DF e Municípios. Já a Legitimação da Posse é o mecanismo que o poder público tem para regularizar os imóveis que se encontram em áreas privadas, cada qual com suas especificações.

E) DA DEMARCAÇÃO URBANÍSTICA:

Essa é a parte técnica mais importante do projeto de REURB, a identificação física da área a ser regularizada é condição sine qua non do processo.

É necessário um levantamento completo das metragens, a topografia é condição elementar para a identificação das áreas, outro aspecto determinar é se existem áreas inabilitadas, ou seja, proteção ambiental, etc.

A delimitação vai demonstrar quem são os reais detentores dos títulos de propriedade, a comparação da situação jurídica (matrícula do imóvel) com a situação fáticas da área, todos essas questões são fundamentais para um projeto de regularização.

Concluo esse capítulo dizendo que a leitura da Lei 13.465 precisa ser diária e constante para os interessados na especialização nessa área de regularização fundiária urbana, a complexidade da Lei e seus detalhes obriga o operador do direito ter total conhecimento para uma eventual situação inusitada, que provavelmente ocorrerá durante a execução de um projeto / processo de regularização, devendo ser capaz de contornar com as ferramentas existentes no conteúdo da Lei.

IV – TÍTULO DE PROPRIEDADE E DIGNIDADE HUMANA:

A propriedade privada é direito constitucional estabelecido no art. 50 como direitos individuais. Entretanto, esse direito não é pleno e absoluto, porque a própria Constituição diz sobre a função social da terra e o direito de habitação. A contraposição dos institutos constitucionais nos leva a reflexão sobre o direito da propriedade privada abandonada e ocupada por pessoas que não têm moradia, nesse ponto, entra a regularização fundiária urbana, onde o município tem hoje a possibilidade de outorgar o título de LEGITIMAÇÃO DE POSSE e dar DIGNIDADE aos ocupantes desses imóveis abandonados.

Portanto, ao nosso sentir, estamos diante de uma Lei que criou mecanismos para programas sociais relevantes na área fundiária, simplificando e criando alternativas para o poder público regularizar seus loteamentos, garantindo o direito à moradia e aumentando a arrecadação de IPTU.

V – REURB-S e REURB-E:

Essas são as duas modalidades de projetos possíveis para regularização dos loteamentos e se distinguem na questão social.

A REURB-S é destinada exclusivamente às zonas especiais de interesse social, assim reconhecidas por Lei específica e sua realização será feita com todo os custos em desfavor do Município e não serão cobrados taxas nem emolumentos cartorários dos beneficiados, o principal programa social de adequação das áreas de baixa renda.

Já a REURB-E se destina aos demais loteamentos, uma evolução da Lei 13.465/2017 em relação à Lei 11.952/2009, porque anteriormente as regularizações só poderiam ser feitas em áreas públicas quando reconhecidas por serem ZEIS.

Uma discussão relevante sobre esse tema foi o precedente do STF que tratou dessa mesma questão (ADI 2990/DF) em 2007, onde o bom senso prevaleceu. Essa decisão mostrou sua relevância e importância, onde na época incluiu as residências de classe média e alto padrão no rol dos beneficiados da regularização que na Lei Federal só se destinava às populações de baixa renda, reafirmando a constitucionalidade da Lei Distrital que possibilitava a venda direta de terras públicas à particulares sem leilão público, beneficiando os possuidores direto do imóvel para aquisição independente da sua condição social e da formalidade exigida pela Lei 8.666/93.

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 3o,

CAPUT E §§, DA LEI N. 9.262, DE 12 DE JANEIRO DE 1.996,

DO DISTRITO FEDERAL. VENDA DE ÁREAS PÚBLICAS PASSÍVEIS DE

SE TORNAREM URBANAS. TERRENOS LOCALIZADOS NOS LIMITES

DA ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL – APA DA BACIA DO RIO SÃO

BARTOLOMEU. PROCESSO DE PARCELAMENTO RECONHECIDO PELA

AUTORIDADE PÚBLICA. VENDAS INDIVIDUAIS. AFASTAMENTO DOS

PROCEDIMENTOS EXIGIDOS NA LEI N. 8.666, DE 21 DE JUNHO DE

1.993. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. INEXIGIBILIDADE E

DISPENSA DE LICITAÇÃO. INVIABILIDADE DE COMPETIÇÃO.

ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 37, INCISO XXI,

DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. INOCORRÊNCIA. 1. A dispensa de

licitação em geral é definida no artigo 24, da Lei n. 8.666/93;

especificadamente — nos casos de alienação, aforamento, concessão

de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis

construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de

programas habitacionais ou de regularização fundiária de

interesse social, por órgãos ou entidades da administração

pública — no seu artigo 17, inciso I, alínea “f”. Há, no caso dos

autos, inviabilidade de competição, do que decorre a inexigibilidade

de licitação (art. 25 da lei). O loteamento há de ser regularizado

mediante a venda do lote àquele que o estiver ocupando.

Consubstancia hipótese de inexigibilidade, artigo 25. 2. Ação Direta de

Inconstitucionalidade julgada improcedente.” Destaquei. (ADI

2990/DF; Relator: JOAQUIM BARBOSA; Relator p/ Acórdão: EROS

GRAU; ÓRGÃO JULGADOR: TRIBUNAL PLENO; julgado: 18Q04/2007;

publicado: 24/08/2007)

VI – CONCLUSÃO:

A nova Lei surge como um sonho para milhões de famílias que moram em condições clandestinas e irregulares no Brasil, porém, se não houver uma possibilidade dos pequenos municípios contratarem empresas especializadas com equipe multidisciplinar exigida pela norma para realização e auxílio na execução dos processos administrativos de regularização, entendo que milhões e os mais carentes, ficaram de fora dessa benesse.

A contratação de consultoria jurídica privada e/ou de empresas especializadas que sejam facilitadores do projeto e do processo será um tema que causará muita discussão, porque se encontram nesse âmbito as amarras da Lei 8666/93 e as prefeituras que não dispõem de recursos para contratação e nem de equipe qualificada para realizar e implantar os projetos de REURB, ficarão à míngua de suas realizações.

A questão posta aqui é a de como poderão os municípios pequenos se beneficiarem da REURB, poderá contratar advogado privado ou empresas especializadas? Como será a forma de contratação desses profissionais?

Entendemos que deverão os pequenos municípios iniciar suas atividades com a qualificação de profissionais na área jurídica e de engenharia, posteriormente serão obrigados a contratação de profissionais privados ou empresas mediantes licitação e melhor preço. Devendo ainda, existir mecanismos que possibilitem uma cobrança dos serviços ad exitum, ou pelo retorno da arrecadação dos IPTUs ou por taxas que poderão ser criadas por leis municipais específicas para cada REURB, dessa forma facilitará o acesso de pequenos municípios, sem recursos, às possibilidades de realização e implantação das regularizações necessárias e esperadas para os seus munícipes.

Brasília, 18 de outubro de 2018.

Felipe Boni de Castro

OAB/SP 183.376

OAB/DF 36.461/A

OAB/GO 57.684/A

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